As
EQMs podem ser integradas na ampla panóplia de fenómenos que consideramos como
de expansão da Consciência. Acontecem, particularmente, em situações de paragem
cardio-respiratória, acontecendo também em casos de coma e em pacientes
anestesiados (menos frequente). Mais adiante voltaremos a esta ideia, quando
abordarmos os aspectos dinâmicos deste fenómeno, a todos os títulos, intrigante
e de fundamentos elucidativos ainda desconhecidos (apesar da pressa em os
justificar fisiologicamente por parte de uma certa franja, fundamentalista, da
comunidade científica, com medo que se descubra... bom, sei lá o quê.)
Esta
situação é, quanto a nós, que partimos há cerca de 25 anos de uma posição
céptica ao observarmos o primeiro caso, algo que hoje se apresenta como inquestionável
do ponto de vista da sua veracidade. As explicações avançadas até ao momento,
para fundamentar o seu aparecimento e dinâmica, afiguram-se (como deixámos
antever no primeiro parágrafo) pouco consistentes e até algo forçadas.
Referimo-nos não só às tentativas de fundamentação orgânico-mecanicistas
(tantas vezes arrogantes e mergulhadas em “cadinhos de experimentação” animal
não humana e, por isso, não extrapoláveis para a nossa espécie... neste
contexto), mas também a toda uma panóplia de argumentos “ultra-
espiritualistas” que não nos parecem satisfazer, minimamente, os critérios
mínimos para que possamos chegar ao porquê das EQMs.
Na
realidade, não sabemos o que se passa. Apenas podemos dizer que elas... SÃO!
Por isso, e antes de avançarmos, recomendamos humildade, trabalho intenso,
multi e interdisciplinaridade e total abertura ao Conhecimento, sem tabus ou
“birras” porque temos à força que explicar, fisicamente ou espiritualmente, o
fenómeno de modo forçado, para que não percamos o estatuto (mas qual estatuto?).
Meus senhores e minhas senhoras, estimados leitores, o Saber não pode assentar
numa “Feira de Vaidades” e assumir a ignorância sobre determinados factos não
nos deve “beliscar o Ego”, nem provocar um catastrofismo de identidade intelectual.
Afinal há tanto por conhecer, muito por descobrir e uma miríade de
interrogações para reflectirmos e investigarmos, que se conhecêssemos tudo,
cairíamos num “definir c’est finir” no pior dos sentidos. Por isso, vamos lá
falar verdade e não ter problemas em dizer: EQMs? Existem sim mas não sabemos
como se processam. Fenómeno estranho? Claro que sim. De contornos a roçar o
esotérico (no sentido literal do termo)? Pois então (e não se assustem com a
palavra que até vem no dicionário e que é, tão só e precisamente, o inverso de
exotérico). Mas fascinante, muitas vezes regenerador do Eu que a “sofre” e,
indiscutivelmente, um “apetite” para os investigadores, despretensiosos e
não-fanáticos, da Consciência e dos seus Estados Alterados que, de uma forma
tantas vezes a roçar a dedicação monástica (sem que isso signifique clausura),
abraçam a pesquisa, respeitando o tema, com saudável, entrega, temor, dúvida,
teimosia e coragem, enfrentando a tradicional “velharia do restelo” (retrato
do, tradicional, atraso nacional e da, tenebrosa, mentalidade de “loby”) que
ainda anda por aí e que gostava de condenar a uma ardente fogueira
sócio-intelectual os que se atrevem a demandar.
Mas
em que consiste tal fenómeno? Podíamos escrever dezenas de páginas sobre este
aspecto mas o espaço concedido não nos permite tal. Por isso iremos abordar as
manifestações das EQMs que consideramos nucleares, em termos de frequência e de
impacto na pessoa.
Mas
afinal, e retomando as ideias iniciais deste trabalho, o que se entende por
EQM?
Para
começar... nada do “outro mundo”.
Podemos
conceptualizar o termo Experiência de Quase-Morte (EQM) como sendo um conjunto
de senso-percepções com ou sem movimento associado, intensamente vivenciadas
numa situação de Estado Alterado de Consciência. Estão, predominantemente,
associadas a situações de morte clínica (paragem cardio-respiratória, mais ou
menos prolongada, com traçados de ECG isoeléctricos), podendo também acontecer
em pacientes anestesiados ou em estado de falência (não total) de determinados
parâmetros orgânicos.
As pessoas
que vivenciaram o fenómeno, relatam, geralmente, uma
série de factos comuns a uma larga
percentagem de quem passou por tal. Temos, como
mais frequentes:
1 Um
estado de perplexidade por não entenderem, de imediato, a nova "realidade" em que
se encontram
2
um
sentimento de paz interior;
3
a
sensação de flutuar acima do seu corpo físico;
4
autoscopia
5
a
percepção da presença de pessoas
ou seres incorpóreos, à sua volta;
6
visão
de 360o;
7 ampliação dos vários sentidos;
8 comunicação telepática;
9 a sensação de viajar através de um
túnel intensamente iluminado no fundo;
10 revivescência “relâmpago” dos,
principais, factos da vida.
Devemos alertar os leitores para o facto de nem
todas as vivências terem esta constelação de manifestações.
Assim, nem sempre há a “visão” do (famoso) túnel ou os encontros com os “seres de luz” (curioso que até alguns
pacientes agnósticos ou ateus, que acompanhei, assim se referiram a eles).
Outro aspecto importante a referir é que nem todas as EQMs são positivas
(“visões fantasmagóricas” e ameaçadora), embora estas sejam uma minoria, não
se sabendo o porquê de tais desvios do habitual. Certo é
que, mesmo nestes casos, a generalidade das pessoas, que observámos, referem
mudanças positivas no seu quotidiano, para com os outros e para consigo mesmo.
Mas, vejamos o que se passa, geralmente, após a
vivência.
ALTERAÇÕES
BIOPSICOSOCIAIS, PÓS EQM:
Na
realidade, a maioria dos pacientes alteram, significativamente, a opinião que
possuíam em relação a si e ao mundo que os rodeia.
As
mudanças comportamentais são (como foi referido), regra geral,
significativamente positivas. O principal factor para as alterações de atitudes
poderá ser a perda do medo da morte (tanatofobia) ou mesmo a convicção,
adquirida, de que essa transição vital não existe.
Passam,
pois, a valorizar mais as suas vidas e a dos outros; reavaliam os seus valores,
éticos e as prioridades “habituais”; tornam-se mais serenos, confiantes e
solidários.
Mas
não ficam por aqui as modificações do “Eu” pós-EQM. Assim, não é raro serem
relatadas aquisições do que poderemos chamar faculdades
hiper-psicofisio-lógicas (termo que nos veio à ideia para não usarmos... parapsicológicos,
palavra que tanta “urticária” causa aos nossos positivistas mas que faz parte
do vocabulário, quotidiano, de investigadores em áreas tão diversas como as
neurociências, psicologia, antropologia, física quântica ou teologia, que
descomplexada e empenhadamente se debruçam sobre os mistérios da Consciência
por esse mundo fora, incluindo Portugal... embora aqui em número, ainda,
reduzido.
Essas
faculdades distribuem-se por 3 categorias:
1 Psi-Kapa
− telecinése (movimento).
2 Psi-Gama
− clarividência, telepatia, precognição.
3 Psi-Teta
− multi-dimensionalidade do “Eu” (onde poderemos inserir as EQMs, até que novos
dados, fundamentados de modo sólido e inequívoco, nos façam rever esta
posição).
E, como se
explicam as EQMs?
Em
nossa opinião, e não só, frise-se bem que não há (de momento) nenhuma
explicação satisfatória que nos leve a “embandeirar em arco” e a dizer que
redescobrimos a pólvora. Nada disso. Apenas afirmamos que existem e que os que
as vivenciam (analfabetos, doutorados, crentes, ateus...) as descrevem como
reais e, tantas vezes saudavelmente, modificadoras da sua estrutura
bio-psico-social de base (como já referimos). Também afirmamos que não são
fenómenos patológicos apesar de se poderem manifestar em pessoas
psicologicamente alteradas, claro. Mas a grande maioria foge a essa norma. Os
relatos são, na maioria dos casos, bem estruturados e com sequência lógica.
Nada que se assemelhe com alucinações ou dissociações, como defendem muitos investigadores
apressados em explicar a “pura e dura” mecânico-dinâmica do fenómeno
(porventura com medo de um dia correrem o risco de terem que admitir que a
mente é bem mais do que um produto do, exclusivo, encéfalo, sem pôr em causa o
papel relevante, desta nobre estrutura, na dinâmica da Psykê).
Muito
nos “perderíamos” em considerações que dariam um livro ou quase mas, com já
referimos anteriormente, não há “espaço gráfico” que nos permita estender a
prosa. Só mais alguns considerandos. Primeiro, e isto é fundamental, existem
milhões de relatos, por esse mundo fora, que se sobrepõem em termos de
semelhança descritiva (não acredito que, apesar da proliferação, dos meios de
comunicação onde insiro as redes sociais, as pessoas se ponham num qualquer
facebook ou similar a combinarem umas com as outras dizerem que viram o bisavô
quando estiveram “mortas” só para espalhar a confusão, irritarem os cientifico-positivistas
ou encherem de gaudio os ultra-espiritualistas). Segundo, e digo-o mais uma vez
e de forma veemente, essas pessoas (crianças, adultos, idosos) não mentem, até
porque muitas delas nem sonhavam com a confrontação de tal cenário, de que
nunca tinham ouvido falar. Terceiro, admito (tal como tantos outros estudiosos
do fenómeno) que as descrições são contaminadas pelo contexto sócio-cultural e
até religioso (ou não) em que as pessoas estão inseridas; mas tal não tira,
qualquer, legitimidade à essência das EQMs.
Reportando-me
a uma situação particular que são as EQMs em cegos de nascença não entendo como
alguns cientistas, ou meros leitores da literatura sobre o fenómeno que nunca
passaram pelo contacto com quem teve a vivência ou pesquisaram “ao vivo” fosse
o que fosse, podem (por exemplo) afirmar que a explicação assenta numa
actividade residual da visão para explicar o “túnel”. Disse...cegos de nascença
que têm EQMs sobreponíveis aos que possuem uma visão normal. Como diria o
saudoso Fernando Pessa: “E esta hein?"
Portanto,
e finalizando esta prosa polémica acerca de um assunto ainda mais polémico,
diremos que há muito para palmilhar com a tal persistência, abertura e humildade.
Se assim se fizer, todos ganharemos independentemente do que, no final, se
venha a apurar. Ninguém vence, ninguém perde; todos seremos beneficiados com a
melhoria do Conhecimento do “Eu interior” e dos seus mistérios, banhado que
está nessa grande bolha que é a inefável Consciência. Ora, já me esquecia as
EQMs não provam (nem deixam de provar) que haja vida para além da morte.
Afirmar ou aventar isso com base nas ditas seria um erro de palmatória. Serão,
na nossa modesta opinião, sublimes fenómenos dinâmicos da expansão da nossa
Consciência, que acontecem em determinado “contexto vital”.
Tudo
o que se disser, agora e nos tempos que se seguirão, em jeito de afirmação peremptória será mais especulativo do que a própria especulação e, em certa medida, uma forma de fuga para a frente afim de não se perder o tal estatuto de
sabedoria. E, terminando, volto a perguntar: qual estatuto? Para quê um
estatuto? Convençamo-nos que estamos aqui para conhecer, mesmo que isso
implique desconhecer, e ajudar o próximo numa entrega total. Por isso seria
bom, como fazem os nossos colegas estrangeiros, criar consultas de atendimento
a quem passa por EQMs. Não para tratar nenhuma disfunção (na maioria dos
casos), mas para orientar quando existe perplexidade sobre o que se passou e/
ou se irá passar a seguir.
Manuel
Domingos
-
Coordenador da Unidade de Neuropsicologia do Centro Hospitalar de Lisboa
- Professor da Universidade Lusíada de Lisboa